País sul-americano pretende levantar bilhões de dólares com novas licitações para projetos em fontes verdes, mas gás natural e indústria petrolífera também devem receber aportes
O governo de Guillermo Lasso está em busca de investidores para a infraestrutura energética do Equador, como ficou claro com a abertura de licitações, em dezembro passado, para três projetos de eletricidade que podem expandir a capacidade de geração e transmissão de energia do país.
Além disso, é mais um passo para cumprir com os objetivos estipulados pelo Plano Diretor de Eletricidade — um documento estratégico que busca o melhor aproveitamento dos recursos hídricos, solares e eólicos do Equador.
A primeira licitação é destinada a investimentos em um “bloco” de projetos de energia limpa (hídrica, eólica, solar e biomassa) com uma capacidade total de 500 MW, espalhados em diversas regiões do país. Já a segunda licitação vai em uma outra direção: ao invés de focar em expandir as energias renováveis no país, ela foca justamente na construção e operação de uma termelétrica a gás natural de capacidade de 400 MW.
Já a última licitação é para a construção de uma linha de transmissão no nordeste do país que conectará sistemas isolados de energia industrial à rede nacional — e fornecerá energia limpa para a indústria petrolífera.
No total, o investimento privado necessário para os projetos deve chegar a cerca de US$ 13 bilhões nos próximos 10 anos. Atualmente, contudo, as propostas totalizam pouco mais de US$ 1,8 bilhão.
As licitações aparecem em um momento em que o governo do Equador busca atrair mais investimentos em projetos hidrelétricos, como é o caso da hidrelétrica Cardenillo no rio Paute, que requer um investimento de US$ 2,2 bilhões; além de uma outra hidrelétrica no rio Santiago, que tem um orçamento de cerca de US$ 3 bilhões, segundo informou o Ministério de Energia ao Diálogo Chino. Atualmente, mais de 90% da energia produzida no Equador provém de fontes hidrelétricas.
Rafael Soria, professor e pesquisador de energias renováveis da Universidade San Francisco de Quito, entende que é correto que o Equador procure diversificar sua geração de energia em um cenário de mudanças climáticas, com suas incertezas a médio e longo prazo.
“Há estudos que dizem que o Equador será mais úmido, outros estudos dizem que será mais seco”, disse Soria. “A idéia é diversificar a matriz energética para não depender de um único recurso que possa ser afetado a longo prazo pelas mudanças climáticas”.
Energia do Equador no caminho certo
Após seis meses desde a abertura da licitação, a chamada inicial atraiu o interesse de dezenas de potenciais investidores estrangeiros, de acordo com José Medina, subsecretário de Geração e Transmissão de Eletricidade do Ministério de Energia.
“Cerca de 140 [interessados] acessaram o portal do Ministério, mas dos que se registraram, 25 já compraram o direito de acesso [aos documentos das licitações]”, disse Medina ao Diálogo Chino. As partes interessadas poderão apresentar suas propostas até 28 de outubro de 2022, e os vencedores serão anunciados em janeiro de 2023.
Os selecionados devem construir ou executar as obras definidas nas licitações e receberão um direito de concessão de 30 anos para as obras hidrelétricas, 25 anos para os projetos eólico e solar e 20 anos para as obras de biomassa, de acordo com Medina.
m 2021, o Equador gerou 27 mil gigawatts/hora de eletricidade, sendo que 92% desse volume foi produzido por usinas hidrelétricas, 7% por termelétricas e o 1% restante por projetos renováveis como eólica e solar, segundo dados do Ministério de Energia.
Atualmente, o Equador possui 16 usinas hidrelétricas, sejam elas de pequeno, médio e grande porte. Há também três usinas de energia solar e três de energia eólica.
Em 30 de abril, o presidente Lasso participou da assinatura de um contrato de investimento para executar a terceira parte do parque eólico Villonaco III. Essa fase do projeto está orçada em US$ 181 milhões e, quando finalizada, deve ter 110 MW de capacidade instalada e se tornar a maior usina eólica do Equador.
O projeto Villonaco é um plano de longa data: inaugurado em 2013, sua primeira fase foi financiada pelo Banco de Desenvolvimento da China e construído pela Xinjiang Goldwind Science and Technology Company Ltd., tornando-se o primeiro parque do tipo no Equador. Localizada na floresta protegida Hoya de Loja Occidental, a primeira fase de construção de Villonaco ficou marcada por violações de leis ambientais locais.
A licitação para a termelétrica possui, atualmente, 65 potenciais investidores, enquanto que a terceira licitação, focada no sistema de transmissão que liga as operações petrolíferas à rede nacional, possui 44 partes interessadas, segundo o Ministério de Energia.
” Equador sabe quanta eletricidade pode produzir a partir desses recursos? A resposta é não”.
Para Medina, as licitações fornecerão o apoio muito necessário para o desenvolvimento energético do país. “O Estado não tem mais que se preocupar em investir em toda a infraestrutura do setor elétrico, mas promoverá iniciativas privadas para investir na geração que precisamos na próxima década”, disse.
Potencial energético
Segundo José Medina, o Ministério da Energia abre as licitações com base em estudos e informações que identificam onde há maior radiação solar e eólica disponíveis. No entanto, o Ministério não pôde confirmar a data de publicação dos estudos.
Segundo os estudos, o Equador tem 660 MW de potencial de energia solar, que foi identificado, segundo Medina, a partir de uma “análise multicritério e informações secundárias disponíveis, considerando locais com altos níveis de radiação solar, viabilidade de conexão e áreas que não apresentam limitações ambientais ou sociais”.
Já o potencial eólico está em torno de 884 MW, particularmente nas províncias de Guayas, Chimborazo, Loja, Cotopaxi, Pichincha, Imbabura e Carchi, pelo menos no curto prazo, além de um potencial de 7 MW nas Ilhas Galápagos. Os nove projetos eólicos identificados pelo governo têm uma capacidade de geração de eletricidade entre 25 e 100 megawatts cada um.
“Os mapas de recursos eólicos, hidrelétricos e solares foram elaborados preliminarmente pelo Instituto Nacional de Energia entre os anos de 1981 e 1985. Anos depois, várias ações foram tomadas para validar o que existia, incluindo a elaboração de mapas atualizados”, explica Juan Peralta, especialista em energias renováveis e professor de engenharia mecânica na Escola Superior Politécnica do Litoral.
Mas ele levanta algumas dúvidas. “O Equador conhece seus recursos qualitativamente, [e] espacialmente localizados? Sim. Ele sabe quanta eletricidade pode produzir a partir desses recursos? A resposta é não”.
Peralta acredita que existem mais possibilidades de aproveitamento da energia solar no país, tanto por sua facilidade de implementação em diversos locais quanto por seus custos mais acessíveis do que a tecnologia eólica. “Se eu comparar o que estava acontecendo em 2010 com o que estava acontecendo em 2021, houve uma queda significativa nos custos”, disse.
Essa informação também é validada por um relatório de 2019 do Banco Interamericano de Desenvolvimento, que projetou “uma redução nos preços do módulo [painel solar] para US$ 0,15-0,18” para 2023.
Outro fator que o governo deve levar em conta, explica Peralta, é o alto custo da construção de usinas hidrelétricas em áreas de difícil acesso, cujas distâncias dos centros populacionais ou pontos de distribuição da rede nacional também aumentam a possibilidade de perdas de energia na transmissão. Dada a infraestrutura hidrelétrica existente no Equador, os locais mais viáveis, principalmente no leste do país, também já foram explorados.
“Não se trata apenas de diversificar os recursos, mas também os locais onde eles devem ser utilizados para a geração”, acrescenta Peralta. “O maior potencial hidrelétrico restante, que ainda precisa ser desenvolvido, está na Bacia Amazônica. E os maiores projetos na Bacia Amazônica estão cada vez mais distantes, especialmente no sul da Amazônia. Portanto, temos que pensar em outros projetos, com base em outras energias renováveis”.
Outra opção que o especialista aponta é a biomassa. Entretanto, especialistas concordam que a cadeia de fornecimento, a logística e a operação de tal sistema devem ser estruturadas com precisão para que o projeto seja viável e lucrativo.
Por exemplo, a localização das plantações destinadas à biomassa deve ser próxima às caldeiras onde o material será utilizado, enquanto as turbinas que geram a eletricidade devem ser localizadas estrategicamente com os pontos de transmissão, entre outras considerações.
O governo diz ter considerado essas questões para aproveitar ao máximo o potencial das formas não convencionais de geração de eletricidade. “Tudo é planejado e otimizado para que as perdas sejam mínimas”, disse Medina.
Fonte: Diálogo Chino